'Divórcio silencioso': o que há por trás do novo nome viral para um problema antigo

O município de Xiam registrou recorde de pedidos de divórcio após quarentena. Getty Images Alguns relacionamentos terminam de forma ruidosa. A maioria, não....

'Divórcio silencioso': o que há por trás do novo nome viral para um problema antigo
'Divórcio silencioso': o que há por trás do novo nome viral para um problema antigo (Foto: Reprodução)

O município de Xiam registrou recorde de pedidos de divórcio após quarentena. Getty Images Alguns relacionamentos terminam de forma ruidosa. A maioria, não. Não há briga dramática nem grande revelação. Aos poucos, os parceiros deixam de estar presentes um para o outro nas pequenas coisas do dia a dia. Quando o divórcio legal acontece — se acontecer — é só o passo final de uma separação que começou muito antes. O termo “divórcio silencioso”, usado para descrever esse afastamento lento e, em grande parte, invisível em relações de longa duração, viralizou recentemente. Inspirado na expressão “quiet quitting”, ele ganhou força por dar nome a uma experiência comum, mas raramente verbalizada. Quando um vínculo se desfaz devagar, pode ser confuso — até imperceptível — para o próprio casal. Mas, embora a expressão seja nova, a ciência dos relacionamentos estuda esse processo gradual há décadas. Quando o vínculo se desfaz aos poucos A pesquisa do psicólogo americano John Gottman mostra que relações podem se deteriorar de diferentes maneiras. Alguns casais enfrentam conflitos intensos logo no início, mas, em parcerias de longo prazo, os primeiros sinais costumam ser sutis: retraimento emocional ou pequenos pedidos de conexão que ficam sem resposta. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Esses “pedidos” podem ser um meme enviado durante o dia ou um comentário sobre algo observado na rua. Quando o outro responde com interesse, a conexão se fortalece; quando ignora, a distância cresce. Estudos longitudinais indicam que a queda no engajamento positivo é um forte indicador de desgaste e, em casais que se separam após muitos anos, essa queda costuma anteceder a fase de conflitos mais visíveis. Em geral, a satisfação segue duas etapas: um longo período de afastamento silencioso, seguido por uma queda mais rápida perto do fim. A nova orientação do papa sobre sexo no casamento Tédio: um sabotador discreto A sensação de estagnação — o tédio — também contribui para o declínio emocional. Em um estudo de nove anos, casais que relatavam mais tédio eram menos satisfeitos, mesmo considerando o nível inicial de satisfação. A explicação está na perda de proximidade emocional ao longo do tempo. Pesquisas mostram ainda que, em dias de tédio, os casais participam menos de atividades empolgantes juntos e, quando participam, aproveitam menos. Com o tempo, a redução dessas experiências compartilhadas diminui a paixão. Isso explica por que muitos casais “sentem que acabou” muito antes de terminar oficialmente. Relações raramente desmoronam de uma vez — elas se apagam pela perda dos momentos que faziam a conexão vibrar. Por que o termo viralizou agora? Se a ciência já conhece esse padrão, por que “divórcio silencioso” repercute tanto hoje? O termo dialoga com pressões contemporâneas. Como explica o psicólogo Eli Finkel no livro The All-or-Nothing Marriage, hoje é comum que casais esperem não apenas segurança e apoio, mas também satisfação pessoal e entusiasmo constante. Quando a paixão diminui — algo natural — essa queda é vista como sinal de falha, não de normalidade. Redes sociais, com demonstrações públicas de afeto, ampliam a percepção de desconexão. Há também diferenças de gênero documentadas em diversos estudos: mulheres tendem a perceber antes o distanciamento emocional, a buscar conversas e, muitas vezes, a iniciar o divórcio. Homens, em média, evitam confrontos emocionais e se retraem mais. Normas culturais contribuem. Em muitas sociedades, recai sobre as mulheres a “manutenção emocional” do relacionamento. Quando esse trabalho invisível encontra resistência ou silêncio, o sentimento de desamor cresce e a distância aumenta. É possível reverter o “desvanecimento silencioso”? Pesquisas mostram que muitos términos não são eventos, mas processos. Casais podem passar meses — ou anos — em declínio antes da ruptura final. Muitas vezes, só percebem a distância quando ela parece grande demais para ser cruzada. Mas os mesmos gestos cotidianos que criam distância podem reconstruir a conexão: responder a pequenos pedidos de atenção, expressar gratidão e introduzir novidades na rotina alimentam a proximidade. A queda no engajamento emocional ou sexual não significa necessariamente que a relação está perdida — pode ser um sinal de que precisa de cuidado. Por outro lado, nem todo relacionamento deve ser salvo. Às vezes, o afastamento silencioso reflete o reconhecimento honesto de que a relação deixou de atender às necessidades de ambos ou se tornou fonte constante de sofrimento ou desequilíbrio. Sair pode ser um ato de cuidado — consigo e com a possibilidade de um futuro mais saudável. Perceber as mudanças sutis — a risada que desaparece, a curiosidade que enfraquece, as pausas que se alongam — oferece ao casal a chance de corrigir o curso. Ou a clareza necessária para saber quando é hora de deixar ir. (*Emily Impett é professor de psicologia da Universidade de Toronto)